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Índice:

118 - DA APOLOGIA DO MEDO

117 - QUO VADIS, EUROPA

116 - ABRIL

115 - PAZ E DIPLOMACIA

114 - A Alquimia da vontade

113 - KIEV – PRAÇA DA INDEPENDÊNCIA

112 - A RECONSTRUÇÃO DO MUNDO

111 - 2014, odisseia na Europa

110 - Mandela

109 - MÁRIO SOARES RESGATA O PATRIOTISMO

108 - ONDJAKI A secreta magia dos gritos azuis

107 - A COLINA DERRADEIRA

106 - UM PAÍS IMPREVISÍVEL

105 - POWER AFRICA

104 - DA OCIDENTAL PRAIA LUSITANA

103 - QUE AGORA JÁ NÃO QUERO NADA

102 - UM CONSENSO ABRANGENTE

101 - NEM FORMOSO NEM SEGURO

100 - AMERICA THE BEAUTIFUL

99 - UM PAÍS ENCANTADO

98 - CANÇÃO PARA AS CRIANÇAS MORTAS

97 - FILOSOFIA DA MISÉRIA

96 - OBAMA NA PRESIDÊNCIA

95 - NOBEL DA PAZ DISTINGUE UNIÃO EUROPEIA

94 - RESILIENCE

93 - ÓDIO

92 - TEAPLOT

91 - VIAGEM DOS AVENTUREIROS DE LISBOA

90 - FERNANDO PESSOA / PROSA DE ÁLVARO DE CAMPOS

89 - A FARSA DO INSTÁVEL

88 - FUNDAÇÂO JOSÉ SARAMAGO

87 - OBAMA ON THE ROAD

86 - O FUROR DA RAZÃO

85 - Geografia do Olhar

84 - ESTOICISMO COERCIVO

83 - O TRAMPOLIM DA LINGUAGEM

82 - NO PAÍS DAS UVAS

81 - ODE À ALEGRIA FUGITIVA

80 - A VIRTUDE DO AMOR

79 - ANGOLA - Metáfora do mundo que avança

78 - Clarabóia

77 - Indignados

78 - APRESENTAÇÃO DE "ORNATO CANTABILE" E "MAR SALGADO"

75 - 11 DE SETEMBRO, 2011

74 - OSLO

73 - Viver é preciso

72 - O grito da garça

71 - MORTE EM DIRECTO, NÃO!

70 - ALEA JACTA EST

69 - CONFRONTO - Porto 1966 - 1972 - Edições Afrontamento

68 - PARVOS NÃO, ANTES CRÉDULOS

67 - DA PERTINÊNCIA & DO ABSURDO

66 - MORTINHOS POR MORRER

65 - VENHA BISCOITO QUANTO PUDER!

64 - VERDADE E CONSENSO

63 - LEAKINGMANIA

62 - SESSÃO DE LANÇAMENTO NA LIVRARIA BUCHHOLZ

61 - UMA APAGADA E VIL TRISTEZA

60 - IMPLICAÇÕES ÉTICAS E POLÍTICAS

59 - NO DIA DE PORTUGAL

58 - FERREIRA GULLAR- PRÉMIO CAMÕES 2010

57 - BENTO XVI - PALAVRAS DE DIAMANTE

56 - O 1º DE MAIO / LABOR DAY

55 - BULLYING E KICKING

54 - O AMOR EM TEMPO DE CRISE

53 - FÁBULAS E FANTASIAS

52 - THE GRAPES OF WISDOM

51 - Do Acaso e da Necessidade

50 - deuses e demónios

49 - CAIM ? o exegeta de Deus

48 - Os lugares do lume

47 - VERTIGEM OU A INTELIGÊNCIA DO DESEJO

46 - LEITE DERRAMADO

45 - Casa de Serralves - O elogio da ousadia

44 - FASCÍNIOS

43 - DA AVENTURA DO SABER , EM ÓSCAR LOPES

42 - TOGETHERNESS - Todos os caminhos levaram a Washington, DC

41 - Entrevista da Prof. Doutora Ana Maria Gottardi

40 - ?I ENCONTRO INTERNACIONAL DE LINGUÍSTICA DE ASSIS, Brasil?

39 - FILOMENA CABRAL, UMA VOZ CONTEMPORÂNEA

38 - EUROPA - ALEGRO PRODIGIOSO

37 - FEDERICO GARCÍA LORCA

36 - O PORTO CULTO

35 - IBSEN ? Pelo TEP

34 - SUR LES TOITS DE PARIS

33 - UM DESESPERO MORTAL

32 - OS DA MINHA RUA

31 - ERAM CRAVOS, ERAM ROSAS

30 - MEDITAÇÕES METAPOETICAS

29 - AMÊNDOAS, DOCES, VENENOS

28 - NO DIA MUNDIAL DA POESIA

27 - METÁFORA EM CONTINUO

26 - ÁLVARO CUNHAL ? OBRAS ESCOLHIDAS

25 - COLÓQUIO INTERNACIONAL. - A "EXCLUSÃO"

24 - As Palavras e os Dias

23 - OS GRANDES PORTUGUESES

22 - EXPRESSÕES DO CORPO

21 - O LEGADO DE MNEMOSINA

20 - Aqui se refere CONTOS DA IMAGEM

19 - FLAUSINO TORRES ? Um Intelectual Antifascista

18 - A fidelidade do retrato

17 - Uma Leitura da Tradição

16 - Faz- te à Vida

15 - DE RIOS VELHOS E GUERRILHEIROS

14 - Cicerones de Universos, os Portugueses

13 - Agora que Falamos de Morrer

12 - A Última Campanha

11 - 0 simbolismo da água

10 - A Ronda da Noite

09 - MANDELA ? O Retrato Autorizado

08 - As Pequenas Memórias

07 - Uma verdade inconveniente

06 - Ruralidade e memória

05 - Bibliomania

04 - Poemas do Calendário

03 - Apelos

02 - Jardim Lusíada

01 - Um Teatro de Papel


Entendo que todo o jornalismo tem de ser cultural, pois implicauma cultura cívica, a qual não evita que, na compulsão, quantas vezesda actualidade, se esqueçam as diferenças.

No jornalismo decididamente voltado para a área cultural, todosos acontecimentos são pseudoeventos, cruzando- se formas discursivasem que as micropráticas têm espaço de discussão.

Não sendo um género, o jornalismo cultural é contudo uma práticajornalística, havendo temas que podem ser focados numa perspectivacultural especifica ou informativa, numa área não suficientementerígida, embora de contornos definidos.

Assim o tenho vindo a praticar ao longo dos anos, quer na comunicação social quer, a partir de agora, neste espaço a convite da 'Unicepe'.

Leça da Palmeira, 23 de Setembro de 2006

        28 de junho de 2014

DA APOLOGIA DO MEDO



Por Filomena Cabral

«Os factos pertencem ao problema, não à solução»

Wittgenstein





O homem, enquanto sujeito da história não dominada por factos, relatos, anseio de Marc Bloch morto pelos nazis durante a Segunda Guerra Mundial e combatente activo da Grande Guerra, de que se comemora o centenário - iniciador, com Lucien Febvre, de estudos acerca da crónica de mentalidades, problematizando documentos -, levá-lo-ia agora a eleger projecto bem mais incerto: os factos, em catadupa, inibem o sujeito, embora contribuam para uma arqueologia, alargando o espectro da «história das mentalidades» subsidiada pela apreensão, pelo pavor, pela fobia.

Na parte que nos cabe, enquanto portugueses, sempre demonstrámos coragem: se combatemos na guerra de 1914-18 (ocorrendo-nos de imediato a batalha de La Lys), no tempo da ínclita geração, Fernando, o Infante Santo, fora penhor da honra de Portugal, consumir-se-ia, no cativeiro em Fez, durante a expansão portuguesa na costa de África, por recusar seu irmão, Henrique, o Navegador, devolver a praça de Ceuta - por óbvio no século XV. Em todas as épocas o sacrifício fratricida, ainda que usando a insídia, sem grandeza, sem honra, em proveito próprio - ao contrário de Henrique.

Abnegados, somo-lo, não sei se por natureza ou à força, e não exigimos heroicidade, por obsoleta; aliás, tornámo-nos provocadores, enquanto portugueses, em tempo de cólera e medo, a actualidade. Apreciaríamos a constância: andamos num tropel alucinado, as vozes digladiam-se, todos pretendem ter razão, acrescentando o estado de pasmo que percorre um país a transbordar de desapontamento, raros se sentem obrigados a compromissos, levando outros a resvalar, consumidos. Atentemos que a consumição não é mera apreensão - a inquietação prolongada devora o sujeito que se consome qual vela, gastando-se irremediavelmente: a apoquentação corrói até ao osso.

Deveria haver em qualquer promessa o comprometimento, não o mero espasmo narcísico, quantas vezes, levando a que outros se iludam e se comprometam com o mundo que lhes está mais próximo. Estruturamo-nos em círculos, o círculo familiar a expandir-se no dos afectos, o círculo social, o das apetências, das aparências, segundo a disponibilidade do outro em relação aos outros, nós, ou a eles – o trânsito é nos dois sentidos –, o conhecimento prévio do sujeito a condicionar olhares, sendo que, na maior parte das vezes, o corpo olhado já não decide da apreciação decorrente, sim de uma imagem nossa (se formos olhados) cristalizada na retina do sujeito observador, apesar de a nossa imagem e atitudes não serem as mesmas, ao longo do tempo - correremos então o risco de representar para uma plateia ausente, a exemplo do que sucede no decorrer das épocas, em relação aos lugares cuja leitura foi feita e catalogada: repete-se a tentação de refazer imagens pretéritas, idealizando-as, o elemento memória está sempre presente, temos uma ideia de períodos, expressões, atitudes e actualizámo-los, em contínuo, o próprio Wittgenstein denuncia tal tendência, quando afirma que, em qualquer rosto, procuramos uma expressão particular, como se existisse um molde mental a que deveria ajustar-se, qual duplo da expressão: o rosto de Munch tem uma expressão ou é uma expressão? Esta funde- se no representado, no desenho, está para além dele: caminhando até nós, à nossa angústia, apela à solidariedade dos povos e das nações; «o grito» de Munch é o nosso grito, o vosso e o deles.

Todavia, no zumbido das vozes, qual enxame de vespas, procura- se a reprodução do verbo de figuras que, apesar de ainda presentes, se receia desapareçam. O resultado é a angústia tremenda em que todos nos envolvemos; quando algumas personalidades nacionais e emblemáticas – afinal o sustentáculo de estruturas partidárias ou outras – desaparecerem, a tendência será, intuímos, tentar fazer valer a caricatura, dado que o modelo, ausente, levará a que, a exemplo de Wittgenstein, indaguemos de um molde mental inviável, procurando o duplo da expressão. E na medida em que o nosso mundo afectivo é variável, múltiplo, complexo, as vivências afectivas participam da corporeidade. No desagrado perante situação inesperada, entram em cena sentimentos psíquicos, alguns comuns às pessoas e aos animais: se a alegria e o ódio são inequivocamente humanos, o mesmo não poderá dizer-se do medo.

Da ínclita geração resta o eco trazido pelo sopro da História, apesar de sermos um povo comprometido com a Pátria, uma pátria decaída, quando asseguramos ao poderoso estrangeiro - subjugados - que aprendemos a lição. Afinal, a apologia do medo vem até nós desde a infância, na figura da bruxa criada pelos irmãos Grimm: numa casa de chocolate, atraía cândidas criaturas, comeriam, até fartar-se, engordá-las-ia, com elas haveria de banquetear-se. No conto, os inocentes, assustados, acabam por fugir, regressam para junto do pai e vivem felizes para sempre. Na realidade dura, a nação portuguesa, entorpecida pelo estado de alerta permanente, já atingiu o máximo da escala, o pavor ou a fobia. Certas figuras geram em nós repulsa incontrolável; se bem o lermos, o conto surge-nos cruel. Quais Hansel e Grettel hesitaremos entre perder-nos na floresta de enganos europeia ou esperar que nos tornemos apetecíveis e não necessitados de cuidados alheios, agradando, finalmente, aos descendentes dos Grimm - e não mais teremos de reiterar desculpas.

Quando da ínclita geração, a força do braço e de ânimo teriam de aliar-se, o homem era frágil, no mundo de então, agreste e ainda dominado por rituais a separar os fortes dos cobardes. Morreríamos aos milhares, assim mais tarde: por estes dias, deslocaram-se os nossos governantes a Richebourg, homenageando os combatentes portugueses de há cem anos, na mencionada guerra de 14-18, num tempo em que havia ainda impérios e as sociedades permaneciam fortemente estratificadas.

A cartografia mudou, o redesenhar de fronteiras estabeleceria rancores e cumplicidade nascentes. Mas o processo ainda não terminou, até porque da Segunda Guerra Mundial, conflito farto em acontecimentos, se comemorou, recentemente, um historial de sacrifício e heroísmo trazido para o presente, resíduo incómodo: porque se imolaram tantos, defendendo valores, rechaçando a perfídia, para, decorridos sessenta anos, a Europa acordar estremunhada com o problema ucraniano - entre outros -, verificando que seria impossível à união europeia continuar rotinas de cedência e constrangimento: o urso erguera-se nas patas traseiras, esplêndido; sacudindo-se, urrou. A natureza circundante, que quase o esquecera, reverenciou-o, o mundo, que o supusera domesticado, estarrecera. Na sua caverna magnífica revestida a ouro e pedrarias - assim se exprimiriam talvez os Grimm -, aguardaria sucessivas embaixadas dos bichos das florestas do mundo.

E deixando a fábula de lado, acabamos de saber - no decurso da Cimeira de Líderes - que Vladimir Putin comunicou, do mesmo lugar prodigioso, o Kremlin, dédalo de terror e antagonismo pretéritos, que não tolerará banhos de sangue na Ucrânia. Apesar de tudo – considera – «a Ucrânia deve retomar o caminho da paz, do diálogo e da reconciliação (...) O mais importante é proporcionar um regime prolongado de cessar-fogo.»

Por sua vez, em Bruxelas, o Presidente ucraniano, mencionando acordo histórico, consideraria o dia de hoje, 27 de Junho, o mais importante, desde a independência de 1991: a Moldávia e a Geórgia também farão parte de uma zona de comércio livre. (Em Gori, os pavões continuam esplêndidos, pelo prisma do filósofo austríaco impulsionador de temas da filosofia da mente, ao analisar conceitos, como a compreensão, intenção, dor e vontade.)

Na medida em que procurou estabelecer, Wittgenstein, as condições lógicas a que o pensamento e a linguagem devem atender para que se possa retratar o mundo, ensina-nos estratégias mentais de resistência. Todavia, não resistiremos sempre e para sempre, não por medo, mas por renunciarmos ao desempenho.




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