Entre Livros       

Índice:

75 - 11 DE SETEMBRO, 2001

74 - OSLO

73 - Viver é preciso

72 - O grito da garça

71 - MORTE EM DIRECTO, NÃO!

70 - ALEA JACTA EST

69 - CONFRONTO - Porto 1966 - 1972 - Edições Afrontamento

68 - PARVOS NÃO, ANTES CRÉDULOS

67 - DA PERTINÊNCIA & DO ABSURDO

66 - MORTINHOS POR MORRER

65 - VENHA BISCOITO QUANTO PUDER!

64 - VERDADE E CONSENSO

63 - LEAKINGMANIA

62 - SESSÃO DE LANÇAMENTO NA LIVRARIA BUCHHOLZ

61 - UMA APAGADA E VIL TRISTEZA

60 - IMPLICAÇÕES ÉTICAS E POLÍTICAS

59 - NO DIA DE PORTUGAL

58 - FERREIRA GULLAR- PRÉMIO CAMÕES 2010

57 - BENTO XVI - PALAVRAS DE DIAMANTE

56 - O 1º DE MAIO / LABOR DAY

55 - BULLYING E KICKING

54 - O AMOR EM TEMPO DE CRISE

53 - FÁBULAS E FANTASIAS

52 - THE GRAPES OF WISDOM

51 - Do Acaso e da Necessidade

50 - deuses e demónios

49 - CAIM ? o exegeta de Deus

48 - Os lugares do lume

47 - VERTIGEM OU A INTELIGÊNCIA DO DESEJO

46 - LEITE DERRAMADO

45 - Casa de Serralves - O elogio da ousadia

44 - FASCÍNIOS

43 - DA AVENTURA DO SABER , EM ÓSCAR LOPES

42 - TOGETHERNESS - Todos os caminhos levaram a Washington, DC

41 - Entrevista da Prof. Doutora Ana Maria Gottardi

40 - ?I ENCONTRO INTERNACIONAL DE LINGUÍSTICA DE ASSIS, Brasil?

39 - FILOMENA CABRAL, UMA VOZ CONTEMPORÂNEA

38 - EUROPA - ALEGRO PRODIGIOSO

37 - FEDERICO GARCÍA LORCA

36 - O PORTO CULTO

35 - IBSEN ? Pelo TEP

34 - SUR LES TOITS DE PARIS

33 - UM DESESPERO MORTAL

32 - OS DA MINHA RUA

31 - ERAM CRAVOS, ERAM ROSAS

30 - MEDITAÇÕES METAPOETICAS

29 - AMÊNDOAS, DOCES, VENENOS

28 - NO DIA MUNDIAL DA POESIA

27 - METÁFORA EM CONTINUO

26 - ÁLVARO CUNHAL ? OBRAS ESCOLHIDAS

25 - COLÓQUIO INTERNACIONAL. - A "EXCLUSÃO"

24 - As Palavras e os Dias

23 - OS GRANDES PORTUGUESES

22 - EXPRESSÕES DO CORPO

21 - O LEGADO DE MNEMOSINA

20 - Aqui se refere CONTOS DA IMAGEM

19 - FLAUSINO TORRES ? Um Intelectual Antifascista

18 - A fidelidade do retrato

17 - Uma Leitura da Tradição

16 - Faz- te à Vida

15 - DE RIOS VELHOS E GUERRILHEIROS

14 - Cicerones de Universos, os Portugueses

13 - Agora que Falamos de Morrer

12 - A Última Campanha

11 - 0 simbolismo da água

10 - A Ronda da Noite

09 - MANDELA ? O Retrato Autorizado

08 - As Pequenas Memórias

07 - Uma verdade inconveniente

06 - Ruralidade e memória

05 - Bibliomania

04 - Poemas do Calendário

03 - Apelos

02 - Jardim Lusíada

01 - Um Teatro de Papel


Entendo que todo o jornalismo tem de ser cultural, pois implicauma cultura cívica, a qual não evita que, na compulsão, quantas vezesda actualidade, se esqueçam as diferenças.

No jornalismo decididamente voltado para a área cultural, todosos acontecimentos são pseudoeventos, cruzando- se formas discursivasem que as micropráticas têm espaço de discussão.

Não sendo um género, o jornalismo cultural é contudo uma práticajornalística, havendo temas que podem ser focados numa perspectivacultural especifica ou informativa, numa área não suficientementerígida, embora de contornos definidos.

Assim o tenho vindo a praticar ao longo dos anos, quer na comunicação social quer, a partir de agora, neste espaço a convite da 'Unicepe'.

Leça da Palmeira, 23 de Setembro de 2006

        11 DE SETEMBRO, 2001



Por Filomena Cabral





«Que importa a cinza do que ardeu? / - Sou a Verdade, que não morre, /
Sou a Justiça, que não morre, / Sou a certeza e a liberdade»

João de Barros


(contra os que dominavam a Europa em 1940, ameaçando o triunfo da tirania)



Passaram dez anos, sobre o ataque às torres gémeas de Nova Iorque. De qualquer modo, após o acontecimento insólito, o mundo ocidental entrou em mutação perturbadora. E não voltará ao que era.

No entanto, a efeméride, no contexto da actualidade em que acontecimentos funestos acontecem em catadupa, apesar de toda a sua carga simbólica afasta-se do primeiro plano, entrou na História, indo ao encontro de arquivo imenso do terrível, em que a humanidade é pródiga. Hoje, quando pensamos no fatídico dia 11 de Setembro, somos levados a estabelecer prioridades, por inumeráveis as evocações funestas. O choque das primeiras imagens fez que as memorizássemos até ao fim da vida, pelo ineditismo, afinal não eram ficção, cinematografia. Em sucessivo e imparável horror e espanto, verificar-se-ia o processamento individual e colectivo de um acontecimento do qual, no momento, se não teve ideia da alteração que introduziria no mundo, o primeiro privilegiando aspectos mais impressivos para cada um de nós, conforme o historial privado de problemas, dilemas, traumas, o segundo a seleccionar imagens sequenciais e difundido, em contínuo, então e agora, pelos grandes blocos noticiosos. Assim, quando recordamos o dia memorável, não nos ocorre a todos exactamente o mesmo, nem sequer ao nível da emotividade ou enquanto tema de reflexão. E pode acontecer que, submetidos a sucessivos choques emocionais de que somos destinatários passivos, de um modo ou de outro, por acção de uma estratégia activa, intencional e distorcida, acabemos por superar o aterrador acontecimento, a par de muitos outros.

Determinada estética da imagem foi tomando o lugar da «teoria das paixões», confinada às honras da idade clássica, tornou-se teoria da contingência proposicional, susceptível de escapar ao sujeito fechado sobre si próprio. Mas tal como a paixão, a imaginação estética leva ao questionamento, que pode revelar sequência figurativa acrescida, representando uma reflexão maior do que a ambiguidade, esta a tornar-se, no limite, o seu próprio objecto. Todavia, a sequência figurativa da tragédia nova-iorquina permanece arrepiante, abominável, o desabar dos edifícios, carbonizando milhares, destruindo famílias, agredindo a maior democracia do mundo de súbito enlutada, continua a indignar o ocidente e mais além. Todos, enquanto europeus, doa a quem doer, devemos àquele país norte-americano setenta anos de efectiva solidariedade atlântica, desde o término da Segunda Guerra. Todavia, o tempo que passa, passa para alguma coisa: ao longo de dez anos, sucessivas resenhas retiraram carga à efeméride, e tudo se cingirá, cada vez mais, ao trauma de familiares, de compatriotas. Os cidadãos do mundo, seja qual for a nacionalidade, mergulhados, actualmente, em problemas inumeráveis, tendem ao comedimento emocional, por uma questão de defesa do eu, apesar de continuarem homens e mulheres compassivos.

O literal reduz o questionamento, não vivemos num mundo exemplar, muito pelo contrário, piorou deveras, nos últimos dez anos, a comunidade mediática comprova-o também pelo contínuo «leaking» de várias procedências, promovendo inquietação e intriga, deturpação. Abandonados ideais, ninguém crê em alguém ou coisa alguma, sendo cada vez mais problemático submeter o nosso destino, refira-se Portugal ou qualquer país do sul da Europa - e mais além - ao critério nada auspicioso de corporações de interesses.

Assim, o dilema talvez resida em mudar a situação política e económica, de uma forma tal que a melhoremos, de modo a atingir um patamar em que se torne possível resolver conflitos, através de um discurso argumentativo e consensual. Mudar os factos? Não, por evidente, se já ocorreram; mas teremos de arriscar, em relação ao que vai acontecendo e, sobretudo, pelo devir. Uma sociedade ideal, no sentido da resolução de conflitos, dilemas, através do discurso nas suas variantes, em vez da negociação estratégica, é impraticável, no entanto a negociação implica sempre violência sobre parte do todo. Enquanto exercício pragmático, seria interessante averiguar a relação existente entre certos argumentos e outros tantos prognósticos não considerados destrutivos, sequer perniciosos, apesar de paradoxais, permitindo estranhas previsões assentes no controlo.

Para além disto, a necessidade de apelar à ética. De um modo geral, assim que um fundamento ético realiza uma profecia reflexiva, esta torna-se, por evidente, bem-vinda, desde que subordinada à exigência da validação da argumentação. De facto, a palavra é uma lâmina de múltiplos gumes.

«De novo a normalidade, ou outra coisa pior?» Os consensos mudam. Andámos anos a pensar na guerra no Iraque. Entretanto, a Líbia - e outros focos - apela à responsabilidade do mundo. Após inúmeros distúrbios, conflitos seguintes à tragédia em Nova Iorque - enquanto acontecimento descomunal - relativiza-se a crença no mundo, chegados quase a um estado filosófico miserabilista, segundo o qual o ideal é matéria a contornar: Quixote e Sancho, hoje, afogados em pragmatismo, nem sequer iniciariam a aventura, impossibilitado o cavaleiro de atacar, espadeirando, moinhos de um imaginário moribundo.

A distância reflexiva é necessária, não é possível que dissertações, argumentações, escritos sejam independentes da retórica. Usa-se, claro, pois existe diferença entre persuadir e convencer (através de argumentos), em todas as línguas europeias e não europeias, o que se vai perdendo é a capacidade de acreditar no que se ouve, quanto mais no que se lê. Tornámo-nos amargos, somo-lo cada vez mais, vamos militando no cinismo, para que nos não destruam demasiado depressa.

A partir de 11 de Setembro de 2001, a ilusão do mundo que nos restava desvaneceu-se. Adquirimos certezas irrefutáveis: nada nem ninguém é inexpugnável. Da noite do tempo, atinge-nos a nostalgia da muralha, do cerco, da ponte levadiça, sobretudo da crença na perspicácia posta ao serviço do bem, em qualquer continente, ao lado do «entendimento puro» e da intuição da sensibilidade, a sagacidade qual garante de compreensão, a justificar, de certo modo, a administração de territórios, outrora e agora.

As décadas de concórdia de após a Segunda Guerra Mundial; de recuperação económica, pelo plano Marshall; de solidário convívio com quase toda a Europa, depois da queda do muro de Berlim; o redesenhar de um mapa europeu alargado, mas inevitavelmente contido; até o convencimento de uma aldeia global, onde todos os meninos e meninas poderiam andar de carrossel pela vida fora, até serem avós jogando a sueca pela noite dentro, constituíram, até certo ponto, um teste à persistência.

Ou talvez não: a «contabilização das persistências no mundo», de Leibniz, se transposta para a linguagem heideggeriana, leva à eliminação do valorativo nas dimensões mundana, subjectiva e comunicacional. Entretanto, foi-se criando determinada imprecisão, pelo facto de não se ter considerado a diferença entre a realidade lógica e a técnico-científica, na genealogia do «logos» - linguagem mais razão -, que talvez tenha contribuído para que o mundo esteja de candeias às avessas.

Fizeram ruir, atacando, para futura memória, um símbolo de Nova Iorque, à revelia da estátua gigantesca da Liberdade. E o paradigma do mundo mudou. Aqui residirá o drama; ulterior, e não gratuita, a retaliação sobre o antigo reino de Nabucodonosor, embora a queda de um tirano consista no derrube da prepotência. A sabedoria teria evitado a guerra? Que sei eu? Para além de vidas poupadas, ter-se-ia acautelado, por certo, futuro dispêndio descomunal, devastador, a conduzir ao desabamento não metafórico do mundo. Como augurar tal, em 2001? Nem o oráculo de Delfos se manifestou, aliás hoje pelas ruas da amargura. Amargura europeia e americana, agora nada acontece num recanto do ocidente sem que o sino toque a rebate, alvoroçando multidões nostálgicas de um tempo ausente, o da autenticidade vivencial nascida da experiência, numa síntese feliz.

Ainda terá pertinência a saudade do futuro? Por vezes, neblina súbita e densa, a atrapalhar o sentido, desvanece-se tão inesperadamente como havia chegado. A saudade do futuro está em nós, sobretudo quando o presente é ingrato.






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