Entre Livros       

Índice:

154 - O SAMOVAR DE RASPUTINE

153 - MONEY, MONEY, MONEY

152 - TEMPO DE CÓLERA E MEDO

151 - VAIAMOS IRMANA, VAIAMOS FOLGAR

150 - MACRON: FRANCE ET USA FOREVER!

149 - DESPOVOAMENTO E PERIGOSIDADE

148 - AS SUICIDAS

147 - O CONVIDADOR DE PIRILAMPOS

146 - «AMERICA FIRST»

145 - NUMA NOITE DE INVERNO

144 - DA IDEOLOGIA DO TEMPO VIVO

143 - O ADIAMENTO É PREFERÍVEL AO ERRO

142 - USA: SEX, LIES AND VIDEOTAPE

141 - GOODFELLAS

140 - BARACK OBAMA EM HIROSHIMA

139 - PALMIRA RESGATADA

138 - INQUIETUDE

137 - PRESIDENTE DIRIGE-SE À NAÇÃO

136 - SAMPAIO DA NÓVOA: LISURA E SOBRIEDADE

135 - DA ILUSÃO DO PROGRESSO

134 - EXASPERAÇÃO

133 - UMA CAMPANHA DISFÓRICA

132 - A CASA EUROPA

131 - O DESPOTISMO EUROPEU

130 - A CAPITULAÇÃO DA PRIMAVERA SOCIAL

129 - PORTUGAL ESMORECIDO

128 - TERMINOU A VII CIMEIRA DAS AMÉRICAS

127 - O DECLÍNIO DO VENERÁVEL

126 - DA SATURANTE SERVIDÃO

125 - EUA: RESPONSABILIDADE E UTOPIA

124 - ONU: PORTUGAL NO CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS

123 - CESSA O EMBARGO A CUBA

122 - GOLDFINGER & CIA

121 - Dilma Rousseff inicia segundo mandato

120 - OBAMA REFORÇA A IDEOLOGIA

119 - O PESADELO LÚCIDO

118 - DA APOLOGIA DO MEDO

117 - QUO VADIS, EUROPA

116 - ABRIL

115 - PAZ E DIPLOMACIA

114 - A Alquimia da vontade

113 - KIEV ? PRAÇA DA INDEPENDÊNCIA

112 - A RECONSTRUÇÃO DO MUNDO

111 - 2014, odisseia na Europa

110 - Mandela

109 - MÁRIO SOARES RESGATA O PATRIOTISMO

108 - ONDJAKI A secreta magia dos gritos azuis

107 - A COLINA DERRADEIRA

106 - UM PAÍS IMPREVISÍVEL

105 - POWER AFRICA

104 - DA OCIDENTAL PRAIA LUSITANA

103 - QUE AGORA JÁ NÃO QUERO NADA

102 - UM CONSENSO ABRANGENTE

101 - NEM FORMOSO NEM SEGURO

100 - AMERICA THE BEAUTIFUL

99 - UM PAÍS ENCANTADO

98 - CANÇÃO PARA AS CRIANÇAS MORTAS

97 - FILOSOFIA DA MISÉRIA

96 - OBAMA NA PRESIDÊNCIA

95 - NOBEL DA PAZ DISTINGUE UNIÃO EUROPEIA

94 - RESILIENCE

93 - ÓDIO

92 - TEAPLOT

91 - VIAGEM DOS AVENTUREIROS DE LISBOA

90 - FERNANDO PESSOA / PROSA DE ÁLVARO DE CAMPOS

89 - A FARSA DO INSTÁVEL

88 - FUNDAÇÂO JOSÉ SARAMAGO

87 - OBAMA ON THE ROAD

86 - O FUROR DA RAZÃO

85 - Geografia do Olhar

84 - ESTOICISMO COERCIVO

83 - O TRAMPOLIM DA LINGUAGEM

82 - NO PAÍS DAS UVAS

81 - ODE À ALEGRIA FUGITIVA

80 - A VIRTUDE DO AMOR

79 - ANGOLA - Metáfora do mundo que avança

78 - Clarabóia

77 - Indignados

78 - APRESENTAÇÃO DE "ORNATO CANTABILE" E "MAR SALGADO"

75 - 11 DE SETEMBRO, 2011

74 - OSLO

73 - Viver é preciso

72 - O grito da garça

71 - MORTE EM DIRECTO, NÃO!

70 - ALEA JACTA EST

69 - CONFRONTO - Porto 1966 - 1972 - Edições Afrontamento

68 - PARVOS NÃO, ANTES CRÉDULOS

67 - DA PERTINÊNCIA & DO ABSURDO

66 - MORTINHOS POR MORRER

65 - VENHA BISCOITO QUANTO PUDER!

64 - VERDADE E CONSENSO

63 - LEAKINGMANIA

62 - SESSÃO DE LANÇAMENTO NA LIVRARIA BUCHHOLZ

61 - UMA APAGADA E VIL TRISTEZA

60 - IMPLICAÇÕES ÉTICAS E POLÍTICAS

59 - NO DIA DE PORTUGAL

58 - FERREIRA GULLAR- PRÉMIO CAMÕES 2010

57 - BENTO XVI - PALAVRAS DE DIAMANTE

56 - O 1º DE MAIO / LABOR DAY

55 - BULLYING E KICKING

54 - O AMOR EM TEMPO DE CRISE

53 - FÁBULAS E FANTASIAS

52 - THE GRAPES OF WISDOM

51 - Do Acaso e da Necessidade

50 - deuses e demónios

49 - CAIM ? o exegeta de Deus

48 - Os lugares do lume

47 - VERTIGEM OU A INTELIGÊNCIA DO DESEJO

46 - LEITE DERRAMADO

45 - Casa de Serralves - O elogio da ousadia

44 - FASCÍNIOS

43 - DA AVENTURA DO SABER , EM ÓSCAR LOPES

42 - TOGETHERNESS - Todos os caminhos levaram a Washington, DC

41 - Entrevista da Prof. Doutora Ana Maria Gottardi

40 - I ENCONTRO INTERNACIONAL DE LINGUÍSTICA DE ASSIS, Brasil?

39 - Filomena Cabral, UMA VOZ CONTEMPORÂNEA

38 - EUROPA - ALEGRO PRODIGIOSO

37 - FEDERICO GARCÍA LORCA

36 - O PORTO CULTO

35 - IBSEN ? Pelo TEP

34 - SUR LES TOITS DE PARIS

33 - UM DESESPERO MORTAL

32 - OS DA MINHA RUA

31 - ERAM CRAVOS, ERAM ROSAS

30 - MEDITAÇÕES METAPOETICAS

29 - AMÊNDOAS, DOCES, VENENOS

28 - NO DIA MUNDIAL DA POESIA

27 - METÁFORA EM CONTINUO

26 - ÁLVARO CUNHAL ? OBRAS ESCOLHIDAS

25 - COLÓQUIO INTERNACIONAL. - A "EXCLUSÃO"

24 - As Palavras e os Dias

23 - OS GRANDES PORTUGUESES

22 - EXPRESSÕES DO CORPO

21 - O LEGADO DE MNEMOSINA

20 - Aqui se refere CONTOS DA IMAGEM

19 - FLAUSINO TORRES ? Um Intelectual Antifascista

18 - A fidelidade do retrato

17 - Uma Leitura da Tradição

16 - Faz- te à Vida

15 - DE RIOS VELHOS E GUERRILHEIROS

14 - Cicerones de Universos, os Portugueses

13 - Agora que Falamos de Morrer

12 - A Última Campanha

11 - 0 simbolismo da água

10 - A Ronda da Noite

09 - MANDELA ? O Retrato Autorizado

08 - As Pequenas Memórias

07 - Uma verdade inconveniente

06 - Ruralidade e memória

05 - Bibliomania

04 - Poemas do Calendário

03 - Apelos

02 - Jardim Lusíada

01 - Um Teatro de Papel


Entendo que todo o jornalismo tem de ser cultural, pois implicauma cultura cívica, a qual não evita que, na compulsão, quantas vezesda actualidade, se esqueçam as diferenças.

No jornalismo decididamente voltado para a área cultural, todosos acontecimentos são pseudoeventos, cruzando-se formas discursivasem que as micropráticas têm espaço de discussão.

Não sendo um género, o jornalismo cultural é contudo uma práticajornalística, havendo temas que podem ser focados numa perspectivacultural especifica ou informativa, numa área não suficientementerígida, embora de contornos definidos.

Assim o tenho vindo a praticar ao longo dos anos, quer na comunicação social quer, a partir de agora, neste espaço a convite da 'Unicepe'.

Leça da Palmeira, 23 de Setembro de 2006

        2017-12-09

O SAMOVAR DE RASPUTINE

Por Filomena Cabral





Rasputine, atravessando um dos pátios interiores do Palácio de Petrogrado, hoje São Petersburgo, afundava as mãos enormes nas algibeiras da veste longa; era altíssimo, de figura impressionante, advogando muitos que teria poderes incomuns, o discurso inflamado pronto a contaminar os que estivessem ao seu alcance. Chegara da Sibéria, ninguém saberia ao certo de onde. Deixado o pátio para trás, penetrara no sumptuoso salão de entrada, sem se preocupar em dissimular a figura, Rasputin era, segundo o vulgo, arrogante. Dirigira-se para o salão seguinte, ali encontraria a poltrona preferida, banqueta onde apoiar as longas pernas, a cabeça no espaldar macio de veludo escarlate, certo de esperar: a Czarina fá-lo-ia aguardar pelo menos duas horas, ainda que morta de tédio na sala de vestir, fumaria um composto de ervas para a enxaqueca aconselhado e oferecido pelo monge, o dito Rasputine.

Apesar de a czarina ter experimentado horror pela figura, a aversão atenuara-se desde que uma das crianças imperiais, Alexei, hemofílico, sentira melhoras bebendo infusões estranhas, mágicas, servidas do samovar que viria a ser de Rasputine. Tempo depois, seriam mencionados aspectos insólitos. Mas não nos antecipemos. De momento, a czarina ainda se encontra recostada na chaise longue - a aia aspergindo a peruca imperial com perfume francês-, observa, entediada, colecção encantadora de ovos de Fabergé e outras bagatelas de valor incalculável: o indivíduo, se habituado ao fausto, tende a considerá-lo banal. Assim aconteceria com Rasputine, quando a czarina, grata pelos benefícios na saúde de Alexei, lhe oferecera o samovar; na verdade, o objecto inquietava-a.

Abreviando: decorrido o tempo conveniente - Rasputine cedera à modorra -, os pajens imperiais avançaram, sopravam cornetins minúsculos de oiro, anunciavam a chegada da Imperatriz, imponente: calçava sapatos de cetim bordados a oiro, o vestido amarelo - açafrão, de seda pesada, a pequena cauda roçando de leve a tapeçaria, a cabeça erguida, orgulhosa; o queixo levantado, o nariz ligeiramente adunco acentuavam a extrema magreza do rosto, viveria amargurada, conhecedora de murmúrios: de facto, ninguém compreendia a presença de Rasputine junto dos Romanov.

As coisas decorreram como a História narra, acabara assassinado, lançado o corpo ao rio Neva, já lá vão cem anos, mas acrescentarei algo: até certo ponto, acontecimentos recentes alteram aspectos relacionados com o samovar prodigioso da personagem controversa (há um mistério a revelar). De início, acreditem, tive a intenção de enveredar pelo «maravilhoso-perverso», numa farsa natalícia. Todavia, acontecimentos recentes vindos da corte desorientada de Donald Trump, alucinado o ditador après la lettre, acabariam por levar esta pequena narrativa por outro caminho, incorporando-o, mas continua indispensável que nos concentremos no samovar de Rasputine, a peça central deste texto burlesco.

Acrescento: andara o precioso objecto jamais saberemos por onde, até que (no burlesco o inesperado é desejável) fora levado de casa de Trotsky, após o assassinato deste, em 1940, por Franck Johnson, nos arredores da cidade do México; Trotsky convidara-o para tomar chá!

Continuemos: fantasia à parte, certo seria que, já em 1941, a Missão Anglo-Americana em Moscovo encabeçada por Lord Beaverbrook e Averell Harriman - no intuito de averiguar as necessidades de Stalin - decorria a Segunda Guerra -, fazia os possíveis por satisfazer os seus pedidos, concretizada a encomenda de 400 toneladas de arame farpado por mês... A 30 de Setembro, Lord Beaverbrook aceitara enviar para a Rússia todo o quinhão britânico das próximas remessas de abastecimento dos Estados Unidos, 1 800 aviões de combate, 2 250 tanques, 500 peças de artilharia antitanque, 23 000 metralhadoras, 250 000 capotes militares; e muito mais.

O volume dos compromissos materiais britânicos com a Rússia era enorme e cobria todos os aspectos da guerra naval, aérea e terrestre; chegariam, entretanto, 1 800 Spitfires e Hurricanes britânicos, até detectores de submarinos. Destinada ao Exército Vermelho, a lista de fornecimentos era também impressionante, proveniente da Grã–Bretanha e América grande parte do material de guerra de que necessitavam, incluído equipamento hospitalar, por empenho de Churchill e de sua mulher Clemantine, cujo bule preferido era de porcelana chinesa finíssima, não possuía samovar. Lançara Mrs Churchill apelo de auxílio à Rússia, tal despertara «um sentimento de solidariedade popular para com a resistência valorosa dos russos...» E assim ir-se-iam estes compensando de bombardeamentos sucessivos dos alemães. Isto é bastante complexo e não entra, evidentemente, no destino do samovar de Rasputine, mas vem a propósito.

... E enquanto os alemães avançavam para Moscovo, Stalin, isolado e meditabundo, iria tomando chá, tendo à mão o precioso samovar que fora da defunta czarina (e de Rasputine), aspectos ignorados por aquele. E tudo no mundo continuaria a movimentar-se na girândola do destino pela vontade dos poderosos, até os objectos.

Terminada a Segunda guerra há mais de 70 anos, o mundo na iminência da seguinte (?) que pode figurar já no esquiço do devir, pela leviandade de dirigentes oligofrénicos, acaba de descobrir-se, por inconfidência de Secretário exonerado, que Mr. Trump saboreia chá de ervas raras, o samovar a seu lado (o de Rasputine, adquirido num leilão da Sotheby’s), enquanto se apronta para novo tweet a escandalizar o mundo lúcido.

E deste modo, a maldição de Rasputine - enquanto agonizava nas águas geladas do rio Neva, para onde fora arremessado supostamente morto -, lançada à família imperial russa que acabara por traí-lo, juntando-se aos seus detratores, acabando ela mesmo aniquilada, seria transmitida, pelo samovar, a quem dele beneficiasse. A peça, revestida a ouro e safiras, terá alienado, será de supor, o desvairado dono actual, adoptado o autoritarismo radical...

Cuidemos, amigos! De Rasputine estamos livres, mas de Trump, Presidente da maior Democracia do mundo, indignando Lincoln, pétreo, será melhor precavermo-nos. Aconselho o seu «staff» a retirar o samovar de uso com um pretexto qualquer, sabemos da sua imaginação perniciosa.

Feliz Natal de 2017.



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