BARCELONA 2

Cuidado, amigos, porque já anda
uma pantera à solta
nos túneis do metropolitano
e o gigantinsecto de asa giratória
sobrevoa a carlinga, de opressão blindada,
enquanto a perfuradora 115
trespassa o Bairro Gótico,
ruas, praças, ramblas, monumentos,
Montejuich e Tibidado
e, por toda a parte, furam a cidade
as brocas de angústias espirais.

O semáforo verde da relva prometida
não é de confiança,
como todos os códigos e as estradas também.
A zebra é descontínua, amigos,
e por ela passa a língua redonda
e avidamente negra dos pneus.
No restaurante-bodega,
a velha ralha ao cãozito
que, de nervoso, ladreja.
Tudo seria tão cómico como o vestido “fin-de- siècle”
se, no pêlo tateado, não estivessem
os seres humanos em vão procurados.

Para rir seria ainda
a garrafa levantada,
como cornetim de guerra debaixo do viaduto,
e as palavras de arrulho,
como de um pombo na praça da Catalunha,
se as mãos, escorrendo sobre a lisura do vidro,
não desfolhassem baldamente
um álbum de vénus primitivas.

MANUEL AMARAL
in Gentes, Terras, Dia a Dia, UNICEPE, Porto, 2003




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