2025-09-03

A INTELIGÊNCIA NÃO É PARA TODOS, O QUE É UMA TRAGÉDIA!

Risoleta C Pinto Pedro

 

Na crónica de Agosto prometi que falaria sobre Paris e um certo livro, e ainda não é certo que não o faça,  mas já tinha esta crónica iniciada e não consigo despedir o brilhante Josepf Roth e o seu “Hotel Savoy”, até pela actualidade. Há temas que, infelizmente, nunca passam:

«O jornal publicou a notícia em letras gordas, notícia que ardia no meio da página. A meia dúzia de quilómetros de distância, os operários de uma grande fábrica têxtil tinham entrado em greve. O jornal exigia a presença dos militares, da polícia, das autoridades, de Deus.

O articulista explicava: toda a desgraça é causada pelos imigrantes que “trouxeram consigo o vírus da revolução para um país bacteriologicamente puro”. O articulista era um miserável, esguichava tinta para deter avalanches, construía barragens de papel para enfrentar inundações.»

Não sei se o mesmo se passa com o leitor, mas isto parece-me inquietantemente … familiar num tempo em que velhos fantasmas recomeçam a mostrar-se.  Deixo aqui apenas esta anotação, mas não posso deixar de contar um sonho, digo, um episódio a que assisti e que um sonho me veio fazer recordar.

Hoje estou profundamente agradecida a este sonho, porque me trouxe novamente à realidade algo a que assistira, mas que o turbilhão da vida me fizera esquecer. O sonho recordou-me o que não podia ser esquecido. Observei recentemente uma cena que com toda a simplicidade se desenrolou perante os meus olhos encantados e incrédulos, em que uma mãe cigana entregava, numa instituição educativa, roupa dos filhos de várias idades e que já não lhes servia. Não era uma cigana rica, tinha um ar modesto, possivelmente aquela roupa já lhe tinha sido oferecida, e agora devolvia-a a quem dela necessitasse. Um detalhe: a roupa vinha separada em embrulhos por idades, com indicação escrita. E lá dentro, soube depois por quem a recebeu, as peças vinham, ainda que usadas, impecavelmente conservadas e lavadas, perfumadas e dobradas. Esta mulher, ao contrário do que toda a gente faz e hoje se vê aos pontapés pela cidade, não deitou para o lixo, não deixou dentro de um saco na rua, não deixou sobre um qualquer equipamento urbano à vista de quem quisesse levar, não despejou nas caixas receptoras de vestuário usado. Não. Lavou, talvez até tenha passado a ferro, dobrou, separou, embrulhou, pôs etiquetas e foi entregar, com toda a dignidade, onde fazia sentido: numa instituição que saberia distribuir adequadamente por quem dela necessitasse. O meu espanto não teve a ver com o facto de a protagonista ser uma mulher cigana, mas sim por o seu gesto se distinguir, tão requintadamente, do que toda a gente faz. Desejei que aquela espécie de deputados que pensam e falam com os pés tivesse podido assistir a este quadro edificante. Mas talvez não tivesse servido de nada, como aqueles primeiros que viram chegar as caravelas não as viram, não tinham ferramentas mentais para as ver. Porque só se pode ver, realmente, aquilo que se conhece. E quando se discursa e se age com os pés, não se consegue reconhecer gestos nobres executados com as mãos, pensados com a inteligência e saídos do coração. Independentemente de quem os realize.

Como disse o grande filósofo António Telmo, a inteligência é naturalmente bondosa.

Que tem isto a ver com a primeira parte da crónica? Tudo, mas mesmo tudo. O leitor perceberá.


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