2021-05-12



Risoleta C Pinto Pedro


O compadre Guilleri...



...foi à caça das perdizes com seus cães, e subiu a uma árvore para os ver correr. Tendo-se partido o ramo em que estava pendurado, caiu ao chão dando um mau jeito no braço e partindo uma perna. Veio uma ambulância com pessoal médico constituído por duas mulheres, que lhe consertaram o braço e fizeram uma ligadura na perna. Agradecido, o compadre Guilleri não as deixou entrar na ambulância sem lhes agradecer com um beijo. Numa das versões em vídeo, ele passou a dedicar-se à pesca, até porque com a perna engessada não tinha muitas condições para voltar à caça. São várias, aliás, as versões, desde as corais, constando uma delas do filme “Les Choristes”, até aos desenhos animados infantis. Nem todas as versões têm o mesmo final, de que já falarei. Mas o texto da canção tradicional francesa apresenta vários aspectos a que vale a pena dar atenção; um deles é o refrão, que pressupõe que este Guilléri, que talvez aqui represente o sexo masculino, ou os caçadores, ou não tem muito juízo, ou não preza muito a vida, pois o refrão diz assim:

“te laisseras-tu, te laisseras-tu, te laisseras-tu mourir?“, o que significa, para quem não sabe francês, e numa tradução muito livre: “estarás tu com vontade de morrer?”.

Para além disso, à semelhança de outras lengalengas infantis cantadas ou não, há uma sequência de palavras aparentemente sem sentido, puro jogo sonoro. Ou talvez não… porque a sequência é a seguinte: “titi carabi, toto carabo”, sendo que “carabi“ se parece fortemente com “carabine”… e “toto“ com “tótó”...

A cada um a sua interpretação.

Num tempo em que se desaprenderam os métodos mais eficazes de educação e transmissão de valores (que são sempre os artísticos, os poéticos, os mais fiáveis), parece-me esta canção uma feliz representante dessa tradicional educação informal de que se encarregavam todos os elementos da família, especialmente as mães e as avós, assim poupando os professores, que ficavam mais livres para outras aprendizagens. Neste caso, o espantoso final (que, como disse, só aparece em algumas versões) é todo um discurso com o mínimo de palavras a favor da paz (o beijo), e das mulheres como garante da esperança de saúde global no mundo, sendo o emplastro e a ligadura trazidos por cada uma, símbolos da ferramenta poderosa que é o cuidar. Assim termina:

“Ça prouve que par les femmes l’homme est toujours guéri“ : (“Isto prova que é através das mulheres que o homem obtém sempre a cura”).

Não sou eu que o digo, é… a preciosa sabedoria, ia dizer tradicional, mas ela é, afinal, de todos os tempos. E não será isso a tradição? A ela, eu acrescentaria (mas não estará pressuposto ?): “Ça prouve que par les hommes la femme est toujours guérie“. Porque, afinal, não haverá cura para ninguém enquanto estivermos partidos em dois.



(Na última crónica “trouxe” aqui um adorável livro elaborado num contexto de família, mais especificamente, a família de Arnaldo Trindade. O livro é dedicado ao seu pai e criado em colaboração com Noly... seu filho!, e não filha, como eu erradamente supus, apesar de nada me induzir a isso, apenas a minha fantasia. Vá-se lá saber porquê.

Sei que o lapso não foi levado a mal, ainda assim aqui fica a correcção, com o meu agradecimento pela compreensão.)



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