2017-04-27, quinta-feira, 18h30:

apresentação do livro "Guimarães: Daqui houve resistência",
por António Amaro das Neves, Manuela Juncal e Tino Flores,
com a presença de César Machado, organizador da obra



Livro Guimarães Daqui houve resistência, coordenado por César Machado, desenhado por Alexandra Xavier e ilustrado por Nuno Vieira. A edição é do Cineclube de Guimarães, com apoio da Câmara Municipal de Guimarães. (…) Como objecto, este livro é do melhor que tem sido feito por aí. Quanto ao conteúdo, composto por um conjunto de 25 longos depoimentos recolhidos e tratados pelo organizador, é surpreendente.

(…) A memória histórica é produzida a partir de fontes de diferentes naturezas, que filtra, acumula, transmite e é analítica, crítica, precisa e racional. É constante, embora em permanente processo de acrescentamento e de reinterpretação. A memória colectiva, mesmo quando dirigida para acontecimentos remotos, é efémera e inconstante. Apaga, refaz e reescreve segundo o seu próprio arbítrio, em função do momento presente, da imaginação e do regresso doe reminiscências recalcadas. É mutável, em função do tempo e das circunstâncias. Ao contrário da memória histórica, não é rigorosa, é caprichosa. Ora desvenda, ora oculta. Vive em permanente processo de reciclagem.

As memórias não são retratos exactos da realidade vivida. São reconstruções singulares e pessoais formatadas pelos contextos, pelas mundividências, pelos preconceitos, pelas paixões de quem as rememora. Os mesmos factos passados, contados de memória por diferentes pessoas que os viveram ou testemunharam, não são necessariamente relatados da mesma maneira. Contadas pelos seus protagonistas, as memórias de qualquer confrontação, independentemente da sua natureza (uma escaramuça, uma batalha, uma guerra, um golpe de Estado ou uma revolução), são diferentes consoante o lado da barricada em que estiveram aqueles que as contam.

Em suma: um livro de memórias não é um livro de história, porque a história não se escreve exclusivamente a partir de um agregado de memórias individuais. Socorre-se de muitas outras fontes, de diferentes naturezas.

Guimarães Daqui houve resistência é um livro de memórias, onde estão inscritas  as memórias dos dias de hoje de um tempo que já é distante. Será também, um valioso documento histórico, fundamental para a compreensão da resistência ao fascismo e da construção da democracia em Portugal, que nos diz tanto sobre as experiências vividas pelos narradores como sobre o modo como vêem hoje aquilo que viveram há quatro, cinco ou mais décadas.

O que fica dito serve de prevenção para quem, a páginas tantas deste livro, como o autor destas linhas, acabará por dizer, em relação a este ou àquele facto: isto não foi assim. O que está neste livro são as memórias pessoais e intransmissíveis de quem as relata. Estas são as suas histórias. Fossem outros os narradores, outras seriam as histórias.

Guimarães Daqui houve resistência passará, seguramente, a ser uma obra de referência para o estudo da história da resistência à ditadura e da construção da democracia em Portugal. Reúne vinte e cinco testemunhos de pessoas que, cada um a seu modo, lutaram pela liberdade e pela democracia, e que, cada uma à sua maneira, estão ligadas a Guimarães. No entanto, estes testemunhos não se encerram dentro dos velhos muros desta velha cidade. Aqui temos Guimarães, a região, o país, a Europa.

O seu conteúdo está resumido na nuvem de palavras que vai aí abaixo que reúne as 150 palavras com entoação política com mais ocorrências ao longo do texto, inscritas em dimensões proporcionais ao número de vezes que foram escritas:

Esmiuçar este gráfico pode ser um exercício muito interessante. Pelo que lá está, mas também pelo que lá falta. Estão lá expressões óbvias, como Guimarães, 25 e Abril. Além de Guimarães, Coimbra, Porto, Braga, Lisboa, Fafe, Famalicão e Paris. Entre as personalidades, Santos Simões aparece claramente destacado (118 ocorrências), seguido por Zeca Afonso (107), Humberto Delgado (44), Álvaro Cunhal (41), Eduardo Ribeiro (38), Adriano Correia de Oliveira (32). Mário Soares (29 referências), já não aparece na nuvem. Das organizações políticas, o PCP é o que tem mais referências (227), seguido à distância pelo MRPP, (138), pela LUAR (69) e pela OCMLP (31). No entanto, o fascismo não está lá, o que é revelador do modo como o tempo tem um efeito amaciador sobre  as palavras.

~*~ Os 25 testemunhos de Guimarães Daqui houve resistência atravessam o século XX desde a década de 1930. São histórias contadas na primeira pessoa onde se fala da resistência, das perseguições, da prisão, da tortura e do quotidiano dos dias de chumbo da ditadura fascista, da guerra e da emigração forçada. Mas também da alegria daquele amanhecer claro em Abril e da construção da democracia. São histórias de vida de um tempo em que Portugal era um paradoxo acantonado no extremo ocidental da Europa.

Ao publicar este livro, o Cineclube de Guimarães dá (mais) um importante contributo o resgate da nossa memória colectiva e um exemplo da capacidade de iniciativa, da produtividade e da criatividade dos obreiros das associações vimaranenses. Esta edição é uma obra feita com grande profissionalismo e competência por amadores, aqueles que fazem por amor e que são gratificados com a singela alegria da obra feita. António Amaro das Neves, Julho de 2014 (Do Prefácio a “Guimarães, Daqui Houve Resistência”)




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