2017-05-15, segunda-feira, 18h:

lançamento do livro "Pecados da igreja", de Secundino Cunha



Introdução

Todos somos pecadores

A Igreja, como reza o Credo, é "una, santa, católica e apostólica". Mas, ao ser constituída por homens, não será também ela pecadora? A questão é de resposta complexa e não colhe a unanimidade dos especialistas.

"Homens pecadores, mulheres pecadoras, sacerdotes pecadores, religiosas pecadoras, bispos pecadores, cardeais pecadores, Papa pecador? Todos. Como pode ser santa uma Igreja assim?", perguntou o Papa Francisco na catequese sobre o Credo que proferiu, na Praça de S. Pedro, a 2 de outubro de 2013.

O Papa referiu que a Igreja "é santa porque provém de Deus que é santo", mas sublinhou que ninguém pode pensar que "a Igreja é só dos puros, daqueles que são totalmente coerentes". "Trata-se de uma verdadeira heresia, porque a Igreja, que é santa, não rejeita os pecadores; não nos rejeita a todos nós; não rejeita porque chama todos", afi rmou o sucessor de Pedro. A Igreja é santa, afi rma o Papa, explicando que os seus membros é que são pecadores. Mas Francisco sublinha que a Igreja "acolhe" e "chama" todos, ou seja, apesar de santa, recebe no seu seio os que pecam. Já o teólogo brasileiro Paulo Ricardo Azevedo defende que a Igreja é apenas santa e que não pode ser ao mesmo tempo santa e pecadora. Assegura que a expressão "igreja santa e pecadora" consubstancia uma contradição inultrapassável. O sacerdote afi rma que "a Igreja é santa e imaculada", mas lembra que, apesar disso, "os seus membros são pecadores". E sustenta a sua tese numa declaração do Papa Paulo VI que consta do artigo 827 do Catecismo da Igreja Católica: "A Igreja é santa, não obstante compreender no seu seio pecadores, porque ela não possui em si outra vida senão a da graça: é vivendo da sua vida que os seus membros se santifi cam; e é subtraindo-se à sua vida que eles caem em pecado e nas desordens que impedem a irradiação da sua santidade. É por isso que ela sofre e faz penitência por estas faltas, tendo o poder de curar delas os seus fi lhos, pelo Sangue de Cristo e pelo dom do Espírito Santo."

Para o teólogo, "a Igreja é como um núcleo e cada católico é um membro que pode aproximar-se ou afastar-se desse núcleo. Ao aproximar-se da Igreja, o católico é cada vez mais santifi cado pela Graça que dela emana. Da mesma forma, se livremente o católico decide afastar-se dela, por sua própria responsabilidade, afasta-se da comunhão com o Corpo de Cristo". Paulo Ricardo Azevedo considera inclusive que, quando comete pecado, o homem deixa de pertencer à Igreja e só volta a integrá-la após a expiação da falta.

A verdade é que já muitos Papas pediram perdão por escândalos e pecados diversos, mas nunca o fi zeram em nome da Igreja. Nunca se ouviu a frase "A Igreja pede perdão". Se tal tivesse ocorrido, teria de se depreender que a Igreja poderia ser pecadora.

Um dos mais badalados pedidos de perdão, no período mais recente, ocorreu em maio de 1995, quando, em visita à República Checa, o Papa João Paulo II pediu perdão pela Inquisição e por todas as guerras e atrocidades praticadas em nome de Cristo.

"Hoje, eu, Papa da Igreja de Roma, em nome de todos os católicos, peço perdão pelas injustiças infl igidas aos não católicos no curso da história atribulada desses povos. E ao mesmo tempo garanto o perdão da Igreja Católica pelo mal que seus filhos sofreram", afirmou Karol Wojtyla. Mais tarde, em junho de 2010, surgiu o famoso pedido de perdão de Bento XVI às vítimas de abusos sexuais praticados por sacerdotes católicos. "Pedimos insistentemente perdão a Deus e às pessoas envolvidas, enquanto prometemos que queremos fazer todos os possíveis para que semelhante abuso não volte nunca a acontecer", disse o Papa Ratzinger, sem nunca referir que se tratava de um pedido de perdão da Igreja.

E o mais recente pedido de perdão ocorreu na visita do Papa Francisco à Suécia, em outubro de 2016, nas comemorações dos 500 anos da Reforma Luterana, quando pediu perdão à Igreja Protestante pelos erros cometidos durante cinco séculos de guerras, perseguições e execuções. Uma vez mais, foi o Papa e não a Igreja Católica a pedir o perdão.

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Concluímos, então, que, mesmo que a Igreja não seja pecadora, as pessoas da Igreja são-no. E que quando se fala em "pecados da Igreja" se pretende dizer "pecadores da Igreja". É que, como bem sabemos, um pecado cometido por um clérigo (a Igreja não é composta apenas por clérigos, mas estes são os seus representantes consagrados) tem um impacto social incomparavelmente superior ao cometido por um leigo. O padre confessa e perdoa pecados; não é, em raciocínio linear, suposto que os pratique. Neste livro damos conta de duas dúzias de histórias que, em nosso entender, confi guram as maiores polémicas envolvendo a Igreja Católica

dos casos mereceu aturado tratamento jornalístico, mas, sem entrarmos no campo da análise ou dos juízos de valor, vamos um pouco mais além, dando conta de diversos aspetos que fi caram por desvendar, ou tentando corrigir algumas ideias erradas que perpassaram no calor dos acontecimentos. Feitas as contas, as conclusões a tirar são apenas duas: que só Deus pode julgar e que todos somos pecadores.

Secundino Cunha




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