Introdução
Todos somos pecadores
A Igreja, como reza o Credo, é "una, santa, católica e apostólica".
Mas, ao ser constituída por homens, não será também ela pecadora?
A questão é de resposta complexa e não colhe a unanimidade
dos especialistas.
"Homens pecadores, mulheres pecadoras, sacerdotes pecadores,
religiosas pecadoras, bispos pecadores, cardeais pecadores, Papa pecador?
Todos. Como pode ser santa uma Igreja assim?", perguntou o Papa
Francisco na catequese sobre o Credo que proferiu, na Praça de S. Pedro, a
2 de outubro de 2013.
O Papa referiu que a Igreja "é santa porque provém de Deus que é santo",
mas sublinhou que ninguém pode pensar que "a Igreja é só dos puros,
daqueles que são totalmente coerentes". "Trata-se de uma verdadeira heresia,
porque a Igreja, que é santa, não rejeita os pecadores; não nos rejeita a
todos nós; não rejeita porque chama todos", afi rmou o sucessor de Pedro.
A Igreja é santa, afi rma o Papa, explicando que os seus membros é que
são pecadores. Mas Francisco sublinha que a Igreja "acolhe" e "chama" todos,
ou seja, apesar de santa, recebe no seu seio os que pecam. Já o teólogo
brasileiro Paulo Ricardo Azevedo defende que a Igreja é apenas santa e que
não pode ser ao mesmo tempo santa e pecadora. Assegura que a expressão
"igreja santa e pecadora" consubstancia uma contradição inultrapassável.
O sacerdote afi rma que "a Igreja é santa e imaculada", mas lembra que,
apesar disso, "os seus membros são pecadores". E sustenta a sua tese numa
declaração do Papa Paulo VI que consta do artigo 827 do Catecismo da
Igreja Católica: "A Igreja é santa, não obstante compreender no seu seio pecadores,
porque ela não possui em si outra vida senão a da graça: é vivendo
da sua vida que os seus membros se santifi cam; e é subtraindo-se à sua vida
que eles caem em pecado e nas desordens que impedem a irradiação da sua
santidade. É por isso que ela sofre e faz penitência por estas faltas, tendo
o poder de curar delas os seus fi lhos, pelo Sangue de Cristo e pelo dom do
Espírito Santo."
Para o teólogo, "a Igreja é como um núcleo e cada católico é um membro
que pode aproximar-se ou afastar-se desse núcleo. Ao aproximar-se da
Igreja, o católico é cada vez mais santifi cado pela Graça que dela emana.
Da mesma forma, se livremente o católico decide afastar-se dela, por sua
própria responsabilidade, afasta-se da comunhão com o Corpo de Cristo".
Paulo Ricardo Azevedo considera inclusive que, quando comete pecado, o
homem deixa de pertencer à Igreja e só volta a integrá-la após a expiação
da falta.
A verdade é que já muitos Papas pediram perdão por escândalos e pecados
diversos, mas nunca o fi zeram em nome da Igreja. Nunca se ouviu a
frase "A Igreja pede perdão". Se tal tivesse ocorrido, teria de se depreender
que a Igreja poderia ser pecadora.
Um dos mais badalados pedidos de perdão, no período mais recente,
ocorreu em maio de 1995, quando, em visita à República Checa, o Papa
João Paulo II pediu perdão pela Inquisição e por todas as guerras e atrocidades
praticadas em nome de Cristo.
"Hoje, eu, Papa da Igreja de Roma, em nome de todos os católicos,
peço perdão pelas injustiças infl igidas aos não católicos no curso da história
atribulada desses povos. E ao mesmo tempo garanto o perdão da Igreja
Católica pelo mal que seus filhos sofreram", afirmou Karol Wojtyla.
Mais tarde, em junho de 2010, surgiu o famoso pedido de perdão de
Bento XVI às vítimas de abusos sexuais praticados por sacerdotes católicos.
"Pedimos insistentemente perdão a Deus e às pessoas envolvidas, enquanto
prometemos que queremos fazer todos os possíveis para que semelhante
abuso não volte nunca a acontecer", disse o Papa Ratzinger, sem nunca referir
que se tratava de um pedido de perdão da Igreja.
E o mais recente pedido de perdão ocorreu na visita do Papa Francisco
à Suécia, em outubro de 2016, nas comemorações dos 500 anos da Reforma
Luterana, quando pediu perdão à Igreja Protestante pelos erros cometidos
durante cinco séculos de guerras, perseguições e execuções. Uma vez mais,
foi o Papa e não a Igreja Católica a pedir o perdão.
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Concluímos, então, que, mesmo que a Igreja não seja pecadora, as
pessoas da Igreja são-no. E que quando se fala em "pecados da Igreja" se
pretende dizer "pecadores da Igreja". É que, como bem sabemos, um pecado
cometido por um clérigo (a Igreja não é composta apenas por clérigos,
mas estes são os seus representantes consagrados) tem um impacto social
incomparavelmente superior ao cometido por um leigo. O padre confessa e
perdoa pecados; não é, em raciocínio linear, suposto que os pratique.
Neste livro damos conta de duas dúzias de histórias que, em nosso
entender, confi guram as maiores polémicas envolvendo a Igreja Católica
dos casos mereceu aturado tratamento jornalístico, mas, sem entrarmos no
campo da análise ou dos juízos de valor, vamos um pouco mais além, dando
conta de diversos aspetos que fi caram por desvendar, ou tentando corrigir
algumas ideias erradas que perpassaram no calor dos acontecimentos.
Feitas as contas, as conclusões a tirar são apenas duas: que só Deus
pode julgar e que todos somos pecadores.
Secundino Cunha
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