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2019-02-13, quarta-feira, 19h30:

187º Jantar de Amizade UNICEPE: Cartas a Tom Waits, por Ana Almeida Santos





(Uma carta – Invitation to the blues –, quase ao acaso:

Tom, quando era miúda, não havia infantários. Ia todos os dias para a bordadeira. De manhã ia para a escola, de tarde ia aprender os ofícios que me tornariam uma menina prendada. Quinze escudos por mês era o que a minha mãe pagava. Sempre fui rebelde, fazia o que me mandavam sempre contrariada. O que eu queria ver eram as coelheiras, a cadela Laica, as galinhas. Tudo o que me afastasse naquela casa da agulha e do dedal. A mestra Cacildinha tinha três irmãs. Uma chamava-se Alzira e fazia rolinho na máquina, outra chamava-se Ica, velhinha, tinha só um dente e cozinhava, outra era Catalina e tratava da horta e dos animais. Esta última era minha aliada. Sabia o quanto eu gostava da bicharada e chamava-me sempre que havia coelhinhos, ou pintainhos, ou simplesmente para me deixar ver o que tinham as galinhas por dentro quando ela as matava. Adorava ver o milho moído nas moelas. Da Cacildinha, são incontáveis as canadas que levei. Ora porque não bordava, ora porque fazia que fazia, ora porque lambia a linha toda para a enfiar na agulha, ora porque gostava de espetar a agulha ao longo da pele, ora porque distraía as outras meninas, ora porque gozava com a Glorinha que tinha uma vaidade exacerbada; não obstante as suas muitas púberes espinhas que pintalgava de meia em meia hora com creme branco ao ponto de um dia decidirem cobrir o espelho com um papel preto; ora, ora, ora. A vida é sábia e às vezes só agradecemos as dádivas tardiamente. Hoje, à volta com os tecidos e os pensamentos – catarse.
A minha mãe era padeira. O meu pai, alfaiate. A minha mãe sabia que eu não saía às pedras da rua e meteu-me numa bordadeira. E às voltas nas costuras, nas minhas mãos grandes, vejo as grandes mãos do meu pai...)


























Ver em http://olhares.sapo.pt/anaas a arte fotográfica da Ana

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