Espaço Associados



      

Esperanto, Amizade, Cultura e Paz


por Miguel Boieiro



Os congressos de Esperanto propiciam sempre soberanas ocasiões para adquirir amizades e consolidar as já existentes. Foi assim, mais uma vez, com a participação no “80a Hispana Kongreso de Esperanto”, realizado em Comillas (Cantábria) de 29/4 a 3/5/2022. Aproveitando a viagem para o Congresso da Federação Espanhola de Esperanto, acompanhados pelo dileto amigo e “samideano” Rui Vaz Pinto (substantivo composto por samo – mesma, ideo – ideia, ano – grupo), ele mesmo um aristocrata da cultura, militante da poesia e da arte de bom viver, deambulámos por Castilla-Léon, Cantábria, Astúrias, Galiza e evidentemente pelo Porto, cidade invicta maravilhosa.

Não cabe aqui pormenorizar todas as sensações do muito que usufruímos nesta digressão de sonho. Registamos apenas, numa perspetiva meramente pessoal e por isso, incompleta e não isenta de erros, algo que ancorou na nossa memória antes, durante e após o congresso.


1 - Porto (UNICEPE)

    Notável palestra, lançamento de livros e debate sobre as obras do escritor brasileiro Pautílio Alves Filho com a participação do editor Victor Alegria e outros ilustres convidados.

2 – León
    Seria impensável perder uma visita, embora breve, a esta cidade ancestral, capital do antigo reino medieval de onde brotou depois a nacionalidade portuguesa. A catedral, com os seus famosos vitrais e o almoço de “lubina” grelhada no majestoso Parador de San Marcos (sugestão do amigo Arnaldo Trindade), servida em louça de porcelana Vista Alegre, constituiu um dos pontos mais agradáveis. Tivemos ainda oportunidade de visitar o museu adjacente que documenta a evolução humana da região desde os primórdios pré-históricos, até aos resquícios da infame guerra civil onde patriotas republicanos foram presos e torturados.

3 – Comillas
    Ficámos alojados durante os dias do congresso no pequeno hotel Josein, mesmo junto à praia desta estância de veraneio que se tornou famosa pela frequência assídua da nobreza espanhola. O hotel, classificado inexplicavelmente apenas com duas estrelas, era airoso e confortável e contava com pessoal deveras simpático e uma vista sublime para o mar cantábrico.

    Comillas, sendo uma pequena cidade, possui 30 hotéis, mais de 50 restaurantes e diversos edifícios monumentais. Entre eles, destaca-se “El Capricho de Gaudí”, palacete criado nos finais do século XIX pelo famoso arquiteto catalão.

4 - O Congresso
    O Congresso teve lugar na Casa da Cultura “El Espolón”, belo edifício construído no século XVIII com vigorosos blocos de granito. Inscreveram-se 150 participantes e os trabalhos decorreram com apresentações e conferências para variados gostos. Realçamos algumas:

    - A regularidade do Esperanto (Vicente Manzano);
    - Viagem à volta do mundo há 500 anos efetuada por Fernão de Magalhães e Sebastião del Cano (Lorenzo Noguero);
    - Esperanto e anarquismo - quando, onde, como, porquê? (Javier Alcalde);
    - História do Livro (Ana Manero);
    - Caricaturas como ferramenta eficaz para comunicar (Niko Voloshyn);
    - Projeto “Lorca” da Federação Espanhola de Esperanto (Ana Manero)

    Houve ainda lanche partilhado de boas vindas, exposição, concurso, filmes, espetáculos de teatro, música, canto e uma permanente confraternização. Para o sucesso do evento em muito contribuiu o comité organizativo com destaque para o seu incansável presidente, Miguel Gutiérrez Adúriz.

5 – Soplao
    Soplao significa “sopro”. É um complexo de infindáveis grutas dotadas de estalactites e estalagmites com uma extensão de 20 km. Só são visitáveis em cerca de 4 km a que acedemos parcialmente, através de um pequeno comboio barulhento. A área, situada no monte Cavina, englobava uma mina onde se explorou minério de zinco e chumbo até 1978.

6 – Santander
    Após uma curta viagem de barco tipo “cacilheiro”, seguiu-se o passeio pedestre pela capital da Cantábria. Ficámos assim com uma ideia desta moderna cidade, já que a parte antiga desapareceu completamente após sucessivos incêndios. Há uma catedral, mas, no dizer de Miguel Gutiérrez, é a mais feia de Espanha e por isso nem lá entrámos. Em contrapartida, parámos no Cabo Mayor, cujo farol alberga um centro de arte. Aí imaginámos o outro lado do mar e as zonas costeiras da Grã-Bretanha.

7 – Santillana del Mar
    É um burgo medieval muito bem conservado e virado para o turismo. Com muitas lojas de recordações, “taperias”, “sidrerias”, “licorerias”, “iogurladerias”, museus, casas brasonadas, exposição do escultor Jesus Otero, Iconografia Sexual del Románico … Na Casa Ansorena mencionava-se 38 tipos de chocolates. A Torre de Don Borja ostentava a mensagem “Siempre acabamos llegando a donde nos esperan”, frase certeira de José Saramago.

8 – Museu de Altamira
    As pinturas pré-históricas de Altamira, produzidas entre 36 mil e 13 mil anos, foram classificadas Património Mundial em 1985. Dado que a grande afluência de visitantes poderia pôr em risco a subsistência das gravuras inscritas nas paredes e tetos da gruta, ela acabou por ser encerrada ao público. Para compensar, fez-se a reprodução rigorosa numa caverna artificial que, confortavelmente, permite entender como eram feitas as gravuras, bem como decorria a vida quotidiana daqueles longevos primitivos. Trabalho executado a primor!

9 – Jardim Botânico de Gijón
    Terminado o Congresso, planeámos o regresso em ritmo de passeio perscrutando curiosidades. Em Gijón, cidade costeira com uma bela marginal arborizada, almoçámos numa “pulperia”, restaurante onde se come polvo, para quem desconhece a palavra castelhana. Antes, fizemos uma visita muito breve, na opinião deste cronista, ao Jardim Botânico do Atlântico, nas proximidades da cidade universitária. Num espaço de cerca de 16 hectares, bem organizado, agrega-se a curiosidade à ciência e à beleza. Todas as espécies, devidamente identificadas com o respetivo nome científico, estão agrupadas consoante as suas características e proveniências: frutíferas europeias, frutíferas do continente americano, plantas invasoras, plantas medicinais, cerimoniais e melíferas, etc. etc. Ao todo estão catalogados 47 talhões específicos que mereceriam uma visita prolongada, durante alguns dias, para bem ver e aprender.

10 – Nascente do Minho
    Deixámos as Astúrias e entrámos na Galiza onde o falar e o entender, para quem é “portuga”, se torna mais fácil. A cerca de 35 km de Lugo deparámos, por mero acaso, com o rio Minho, ali apenas um pequeno ribeiro gorgulhento. Estávamos em Meira, vila calma e aprazível. Um jovem explicou-nos, em bom galego, que a nascente do rio se encontrava em Pedregal de Irimia, a 2 km da povoação. Fomos então observar o regato que escorria por entre pedregulhos até se transformar num caudaloso rio com o comprimento de 343 km, estando os últimos 76 a fazer fronteira com o nosso país. No local, bastante bem arranjado, havia profusas informações e até poesias inscritas em lápides. Transcrevemos uma: “Un rio com tantos pulos non pode nacer no chan; tem que nacer nunha serra grávida de maxestá” – do poeta de Meira, Avelino Diaz.

11 – Lugo
    Vimo-nos aflitos para encontrar alojamento nesta cidade galega cheia de movimento. Por fim, lá chegámos, no fim da tarde, ao Méndez Núñez, um hotel agradável de quatro estrelas onde pernoitámos. No dia seguinte percorremos a pé toda a parte superior da cerca muralhada. Tal muralha, construída na sua maior parte em lajes de xisto e seixos rolados sobrepostos, foi edificada pelos romanos há mais de dois milénios. Tem uma extensão que supera os 2 quilómetros e possui 10 portas e 85 torres. Visitámos a faustosa catedral e passeámos pela parte antiga da cidade, entrámos no museu provincial e observámos, na rua das Nórias, a casa na onde viveu, entre 1864 e 1868, a poeta Rosalia de Castro, cuja lápide comemorativa, assinalava em galego: “O pobo de Lugo na sua lembranza”.

    Num pequeno restaurante vegetariano, onde jantámos, transcrevemos a apetecível Receita da Felicidade:

          1 taça de paciência
          100 gramas de generosidade
          15 taças de sorrisos
          3 colheres grandes de paz interior
          15 onças de carinho
          200 gramas de compreensão
          3 colheradas de persistência
          80 pacotes de alegria
          1 pitada de loucura
          Amor ao gosto
          5 colheradas de decisão.

    Bom apetite!

12 – Ourense
    Ficámos uma noite nesta cidade minhota (minhota porque ali passa o rio Minho, já com razoável pujança). Visitámos, claro, a Catedral e apreciámos o casario monumental onde impera o granito, ao invés de Lugo, onde é o xisto que manda. Junto à Praça Maior, fomos agradavelmente surpreendidos por um bar denominado “Grândola”. Ainda julgámos que seria coincidência face à nossa “vila morena”, mas não, lá estava o desenho do cravo, símbolo do 25 de abril.

    Visitámos a seguir as Burcas e o seu centro interpretativo. Eram termas romanas, usufruídas pelos peregrinos de Santiago de Compostela que aqui lavavam as suas chagas após dolorosas caminhadas para chegarem são e salvos ao reino dos céus, abraçando pelas costas o afamado santo de pedra. Parece, no entanto, que os mandantes da Igreja não gostavam muito por que o local das lavagens ficava um tanto conspurcado.

    Junto ao rio Minho, as margens estavam revestidas de “neve”, resultado da penugem branca proveniente da floração dos choupos que arborizavam a singular paisagem, cujo panorama está enriquecido por vistosas pontes.

    À saída da cidade ainda deu para ir às afamadas Termas de Outariz, onde a água brota com uma temperatura de 60,2 graus. Nos tanques, já se encontravam banhistas e a temperatura assinalada oscilava entre 38 e 40 graus. Caminhámos vagarosamente durante mais de uma hora, apreciando a paisagem plena de vegetação e observando o rio a caminhar gracioso para Caminha, portal da sua foz atlântica.

13 – Cangas de Morrazo
    Nesta pequena cidade, a 18 km de Vigo, esperávamo-nos o morador José Manuel Vieira Paulo Rato, português, ilustre amigo, associado da UNICEPE e homem de cultura em toda a aceção do termo. José Vieira ofereceu-nos um lauto almoço no “El Bribón de La Habana”, onde entre várias iguarias, comemos “zanburiñas, marisco parecido com as “vieiras”, mas mais saboroso.

    Contudo, muito mais importante que o bom repasto à beira da ria de Vigo, foi o convívio e a comunhão de ideias que, sem favor, substanciaram uma autêntica Receita de Felicidade (ver ponto 11).

14 – A Casa Museu da “Mangallona”
    José Vieira levou-nos depois à aldeia do Coiro para admirarmos o museu privado de pintura do seu amigo Camilo Camaño Xestido. A Casa, que outrora pertencia a uma senhora libertina e avançada nos jeitos e costumes, tão libertina que o nome acabou por ficar com significado um tanto brejeiro, é constituída por vários pisos repletos de arte. Com inexcedível simpatia, Doris, esposa de Camilo, guiou-nos na detalhada visita ao museu que tinha quadros e esculturas do seu marido e de outros ilustres artistas. Inesquecível!

15 – E o Porto aqui tão perto
    A diferença de fuso horário permitiu que chegássemos a tempo de participar no jantar comemorativo do 101º aniversário do PCP, organizado pelo SINTEL (Setor Intelectual do Porto). Para que conste, foi uma feijoada à brasileira muito bem confecionada, colmatada com boa música de intervenção e “os parabéns a você”, cantados ao ritmo da “Internacional”.

16 – Leça da Palmeira
    No derradeiro dia desta memorável viagem por terras nortenhas, o Rui levou-nos ao Museu Quinta de Santiago, em Leça da Palmeira e foi mais uma agradável descoberta a reter e a preencher o nosso historial turístico-cultural. O Museu, tutelado pelo município de Matosinhos, integra um notável acervo artístico de obras pictóricas e exposições temporárias. Está num palacete senhorial, ele mesmo, pelos singulares pormenores de arquitetura, a valer, por si só, uma aturada visita. No agradável diálogo mantido com os afáveis funcionários foi ainda possível arregimentar o seu interesse para a aprendizagem do Esperanto, idioma de cultura, amizade e paz.

Maio de 2022

Miguel Boieiro



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