Espaço Associados

Textos de Maria Luísa Malato


       Postais de Dili, 4 de setembro de 2013



Nas minhas tentativas para perceber o que ouço e leio na rua, não sei o que faria sem o meu Luís Costa. Ando sempre com ele. Esclareça-se. O Luís Costa é o temerário autor do único dicionário em circulação de Tétum-Português, editado pela Colibri e distribuído aqui pelo Instituto Camões. O resto tem fama de ser muito antigo: o disponibilizado pela Biblioteca Nacional, por exemplo, é do século XIX. Apesar da simplicidade do dicionário de Luís Costa (e apesar de, publicamente, na sala de aula, uns alunos me terem desmentido o uso da expressão “lia-luruk” para Dicionário), só ele me ajuda. Talvez a culpa não seja do Luís Costa. Talvez fosse da minha pronúncia, imprecisa. Talvez eu me devesse aventurar por alguns dicionários que vi a vender numa banca de rua, que asseguram tradução de tétum-português-indonésio ou tétum-inglês-indonésio. Talvez “Ice” nem sempre seja “jelo”, “seven days” a week. Talvez Buka Hatene, autor de um dicionário que circula online seja mesmo Ken Westmoreland, e a Rosa Mota seja uma “senhora-por-isso-é-rosa-que-corre-como-uma-mota”. O certo é que me parece difícil a um falante de tétum falar português ou um português estudar tétum a preceito: a ortografia do tétum só agora começa a estar mais estável (era uma língua oral); tem havido uma expansão do tétum-praça de Dili, por oposição ao mais tradicional tétum-terik, que todos afiançam ser mais poético, e continua por editar o dicionário correlativo de Português-Tétum, de Luís Costa, que ajudaria os portugueses a achar tradução em tétum do que sabem dizer em português (sim, que esses portugueses também existem...). Para além do mais, parece-me muito suspeito um autor como Buka Hatene, nome que, e digo isto fiada no “meu Luís Costa”, quer dizer em tétum “Busca Saber”. Devo dizer ainda que o site em que Ken Westmoreland reivindica para si a autoria deste dicionário (http://umalulik.blogspot.com/2009/07/utilidades-dicionario-tetum-portugues.html), tem contra si o próprio nome de família do Ken : não é credível um autor que usa o pseudónimo “Busca Saber” para ocultar um nome, supostamente verdadeiro, que busca conquistar mais terra, “moreland” a oriente, ou seja a “Timor” ou “Timur” ou “West”. Crátilo, e talvez Diderot, e Herder, e Nietzsche, concordariam certamente comigo, nesta minha suspeita sobre Ken Westmoreland, e que ele e a Rosa Mota me perdoem se me engano. Entretanto, e enquanto o Luís Costa não publica o Dicionário de Português-Tétum, duas coisas podem consolar os portugueses que querem estudar tétum. A primeira, uma excelente gramática de Tétum: a de Geoffrey Hull e Lance Eccles (o primeiro então professor na UNTL, e o segundo da Universidade Macquarie, de Sydney). A segunda, um Guia de Conversação Português-Tétum, ainda de Luís Costa, que eu consegui aqui reencontrar numa edição manhosa, fotocopiada. Além da versão simplificada da gramática de Hull e Eccles, o guia contém um manual de boa alimentação (pp. 60-61), uma receita luso-timoense para assar cabrito com tamarindo e gengibre (pp. 62-64), para além de diálogos verdadeiramente úteis numa real conversação.

Por exemplo, na página 54, capítulo “7. 11. “ sobre como “Manifestar afetos”, não se fica pelas vulgares afirmações inequívocas (“Amo-te! Ha’u hadomi o!” ou “Gosto de ti só como amigo... Ha’u hakarak o hanesan belun”. Avança ousadamente pela insinuação (“Sonhei contigo! Ha’u mehi ho o”), ou resolve frequentes casos de ambiguidade, com um “bijou” polissémico:

“Ainda não cheguei a esse ponto. Ha’o sei dar [...] to’o loran ne’e.”

Na página 49, no “capítulo 7.3. Apresentações”, depois das usuais perguntas e respostas (Como se chama? Chamo-me..., Muito prazer em conhecê-lo. De onde é? Onde está hospedado? Estou com um amigo) encontra-se também a seguinte pérola, que se deve coerentemente guardar, e agradecer ao Luís Costa:

“Não tem nada com isso. La ih a buat ida ho ne’e”.

     




Maria Luísa Malato